Redação Direção Concursos • 17/03/2022
17/03/2022Olá, pessoal, tudo bem? Aqui é o professor Paulo Ferreira e trouxe uma sugestão de recurso para uma questão de Economia das provas do concurso TCU.
A questão em que proponho o recurso é a seguinte:
100) Ao determinar o modelo regulatório mais adequado, uma restrição surge quando as firmas a serem reguladas declaram custos excessivos não observáveis pelo regulador com o objetivo de obter preços regulados maiores do que seus custos reais, ou quando o regulador pode subestimar os custos reais das firmas ou calcular equivocadamente a elasticidade-preço da demanda por seus produtos. Nesse caso, o regulador está diante do (a):
a) desregulação, em que o regulador mantém seu controle pelas atividades da firma
b) presença de externalidades, em que o regulador deve implementar um imposto pigouviano sobre a produção da firma
c) problema de perigo moral (moral hazard), em que o regulador evitaria assegurar a recuperação dos custos e fornecer renda informacional
d provisão ineficiente de um bem público, em que a implementação prática da solução de LIndahl pelo regulador impede a existência de caronas
e) problema de seleção adversa, em que o regulador precisa desenhar mecanismos para que as firmas revelem informações sobre suas estruturas de custos.
ARGUMENTAÇÃO RECURSO:
A banca examinadora apresenta como letra E o gabarito para a questão 100, que trata de falhas de mercado que podem impactar na regulação do setor. Mais do que isso, o enunciado da questão afirma que se trata de um problema derivado da assimetria de informações entre regulador e potencial regulado acerca da estrutura de custos desse último.
A partir disso, esclarece que a regulação pode ser prejudicada em qualquer cenário de desvio do verdadeiro custo da firma: seja uma superestimação, seja uma subestimação. No primeiro caso, a firma gozaria de margens superiores às razoáveis por poder praticar um preço compatível com um custo de produção superior ao efetivo, em prejuízo do consumidor. Alternativamente, uma subestimação pode comprimir de tal forma a margem da firma regulada, que sua operação no mercado deixa de fazer sentido econômico, o que, ao fim, também gerará prejuízo ao consumidor.
A partir disso, para expressar o problema com que se depara o regulador, a banca examinadora dá como gabarito a alternativa E, segundo a qual se trata de um “problema de seleção adversa, em que o regulador precisa desenhar mecanismos para que as firmas revelem informações sobre sua estrutura de custos”.
Não se pretende discutir a necessidade de o regulador desenhar e aplicar tais mecanismos. É exatamente isso que precisa ser feito para que as firmas tenham o incentivo adequado para revelarem sua verdadeira estrutura de custos.
No entanto, o problema posto não está adequadamente relacionado à falha de mercado “seleção adversa”. Segundo Pindyck e Rubinfeld, em Microeconomia, seleção adversa é:
Forma de falha de mercado que ocorre quando, devido a informações assimétricas, produtos de diferentes qualidades são vendidos a um preço único; dessa maneira, vendem-se inúmeros produtos de baixa qualidade e pouquíssimos de alta qualidade.
Ressalta-se da definição dos consagrados autores que o problema da seleção adversa está relacionado à prática de um preço único para produtos que possuem qualidades distintas, o que gera, no equilíbrio, uma falta de produtos de qualidade no mercado.
Não é, portanto, uma definição aplicável ao problema enfrentado pelo regulador abordado no enunciado da questão. O que ali se tem é uma dúvida quanto à estrutura de custos da firma a ser regulada e que inclusive por fazer com que a firma opere de forma ainda mais lucrativa.
No problema da seleção adversa, isso equilíbrio sequer é possível. A teoria microeconômica da seleção adversa mostra exatamente que a não correção dessa falha faz com que o mercado perca força e inclusive desapareça, uma vez que produtos de má qualidade se sobressaem, o que reduz o preço único praticado e o que, por sua vez, gera nova perda de qualidade média nos bens vendidos. Tal ciclo vicioso tende inclusive a levar a um desaparecimento do mercado em questão.
Ora: se é possível que a firma regulada inclusive opere com margens superiores às consideradas razoáveis pela regulação caso não haja a correta apuração de seus custos pelo regulador, então claramente não se está diante de um problema de seleção adversa.
Além disso, a boa afirmação feita na alternativa C torna o gabarito da questão ainda mais contestável. Ali está colocado que se trata de um “problema de perigo moral, em que o regulador evitaria assegurar a recuperação dos custos e fornecer renda informacional”.
E é precisamente esse o risco diante do qual o regulador está. Caso garanta a cobertura dos custos sem a precisa apuração, o risco de fornecer renda adicional por mera assimetria de informação ao regulado ficará elevado. E mesmo que se trata de uma situação em que a decisão ainda precise ser tomada, ela será otimizada exatamente se houver a incorporação na análise do risco moral que surgirá tão logo assinado o contrato e iniciada a efetiva prestação do serviço.
Assim, pela imprecisão do enquadramento do problema posto como seleção adversa à luz da teoria microeconômica e pela dupla interpretação permitida pela melhor análise da alternativa C, pede-se respeitosamente, a anulação da questão.
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