Natália Pires • 02/10/2024
Uma comissão de candidatos do Concurso Nacional Unificado (CNU) segue em busca da correção das provas de pessoas que deixaram de fazer toda identificação das avaliações.
Na última terça-feira (1/10), o grupo se reuniu com a Advocacia-Geral da União (AGU), apontando argumentos que questionam a eliminação de candidatos que não marcaram o número de gabarito no cartão resposta do certame ou transcreveram a frase.
Também estiveram no encontro: o Procurador-Geral da União Marcelo Eugênio Feitosa Almeida e o Consultor-Geral da União, André Augusto Dantas Motta Amaral. Para o o advogado, procurador e consultor com atuação em Brasília, Rodrigo Esteves, o MGI deveria resolver a situação de forma administrativa:
“Há relevante expectativa dos interessados de que o MGI, atento às provas apresentadas e à melhor interpretação das regras editalícias, vá fazer a correção das provas de todos os candidatos que tenham colocado o tipo de prova ou o número de gabarito, haja vista que a eliminação, em tese, só poderia ocorrer na ausência de ambas as informações. Isto além de questões outras também já surgindo no cenário, relativamente a uma ideia de excesso de formalismo por parte da Cesgranrio. Tudo isso porque, do contrário, haverá verdadeira avalanche de ações judiciais país afora, motivo por que tudo recomenda o tratamento do tema com mediação extrajudicial, respeito a inúmeros candidatos e interpretação sempre mais favorável aos interesses dos cidadãos”, pontua.
Como base do questionamento, é apresentado que a Fundação Cesgranrio, banca organizadora do certame, não eliminou, em certames recentes, candidatos em situação idêntica ao do grupo.
Nos concursos mais recentes da Caixa, Banco do Nordeste e Banco do Brasil, apenas foram eliminados candidatos que deixaram de marcar o número de gabarito e de transcrever a frase da prova, ou seja, deixaram de fazer ambas as marcações.
“A Fundação Cesgranrio sempre fez uma distinção clara entre critérios de identificação da prova e de eliminação. Eventualmente o candidato pode até não preencher todos os itens de identificação, mas não ser eliminado, porque a condição para eliminação é cumulativa, exige que o cara esqueça o gabarito e frase. Isso se explica pelo princípio do formalismo moderado, razoabilidade, proporcionalidade”, aponta um dos líderes da comissão.
A comissão comparou as situações nos concursos Banco do Brasil (2022), Caixa (2024), CNU e BNB (2024), conforme mostra quadro abaixo, utilizado em apresentação feita à AGU:
Por meio do portal Fala.BR, Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação do Governo Federal, todos as entidades citadas responderam confirmando as informações da comissão.
“Nesse sentido, em relação à marcação do gabarito, no concurso CAIXA 01/2024 foram eliminados apenas os candidatos que não marcaram o número do gabarito e não transcreveram a frase, conforme item 9 “f”, portanto, condições cumulativas”.
O BNB vai na mesma linha, afirmando que apenas a não marcação de um dos identificadores não é suficiente para eliminação.
O Banco do Brasil também foi procurado e ratificou o comportamento da banca no certame de 2022: “Todos os candidatos que não transcreveram corretamente o número do gabarito E a frase constantes na capa do seu caderno de questões foram eliminados”.
O grupo ainda aponta que a capa da prova trouxe elementos que poderiam confundir o candidato.
Eles citam o decreto 12.002/2024, que estabelece normas para elaboração, redação, alteração e consolidação de atos normativos.
No texto, é citado que:
g) usar no penúltimo inciso, alínea, item ou subitem:
1. a conjunção “e”, se a sequência de dispositivos for cumulativa ou enumerativa; ou
2. a conjunção “ou”, se a sequência de dispositivos for alternativa;
Outro argumento utilizado é de que o tópico 8.12.1 do edital e o tópico “f” das instruções da prova divergem. No edital, a banca fala em “tipo de prova”. No caderno de provas, o candidato era solicitado a marcar o “número de gabarito”, como é possível ver a seguir:
Um dos líderes do grupo ressalta que a comissão está buscando apenas “o mesmo tratamento dos concursos anteriores da mesma banca” com editais e instruções de cadernos de provas idênticos. Além disso, o grupo ainda não conseguiu uma agenda direta com o MGI, para apresentação do documento.
De acordo com José Moura, advogado especializado em concurso público, o documento apresentado pela comissão é “coeso e bem fundamentado”, evidenciando a “ilegalidade” de objeto presente no caderno de prova do CNU.
“O documento entregue à AGU pela “Comissão dos Prejudicados” na prova do Concurso Nacional Unificado é coeso e bem fundamentado. Isto porque o documento evidencia de prova cabal o vício insanável (ilegalidade de objeto) havido no caderno de prova quando utiliza o Decreto 12.002/24 para mostrar que a utilização do “e” e do “ou”da forma como foi posta tem como resultado a violação do ato normativo que estabelece normas para elaboração de atos normativos. O documento apresentado ao AGU mostra a contradição da Banca Examinadora e evidencia que as pegadinhas não aconteceram apenas nas questões, mas também no caderno de provas. A tentativa de se resolver administrativamente a questão é louvável, pois desafoga o judiciário e mostra a boa-fé dos candidatos de resolverem a situação de uma forma que o concurso flua normalmente.”
Vale lembrar que, no dia 19 de agosto, o Ministério da Gestão e Inovação (MGI) informou, por meio de nota, que as pessoas que não preencheram toda a identificação do cartão de respostas serão eliminadas do certame. A decisão foi tomada após consulta ao setor jurídico e à organizadora, Fundação Cesgranrio, mesmo após a ministra dizer, em coletiva, que as pessoas seguiriam no certame.
“Em relação às pessoas que não preencheram toda a identificação do cartão de respostas, o Ministério da Gestão informa que, após consulta à banca aplicadora e consulta jurídica, definiu que, em respeito ao edital, ocorrerá a eliminação dos candidatos.”
Em contato com uma fonte ligada à organização do CNU, o time de jornalismo do Direção recebeu a seguinte resposta:
“Nós vamos seguir o edital. Se o que tá marcado no edital é isso (eliminar os candidatos), é isso que vai ser feito. A gente tem que seguir o edital, porque o edital é a nossa defesa para que a gente possa seguir dentro da lei, dentro do que está justificado e apresentado pelas regras do concurso. Então, nós vamos seguir estritamente o que está no edital”.
Em resposta oficial, o MGI afirma que deseja prosseguir com a eliminação dos candidatos: “Em relação às pessoas que não preencheram toda a identificação do cartão de respostas, o Ministério da Gestão informa que, após consulta à banca aplicadora e consulta jurídica, definiu que, em respeito ao edital, ocorrerá a eliminação dos candidatos. A informação consta do item 8.12.1 do Edital: O candidato deverá marcar o tipo de prova que consta na capa da sua prova nos respectivos Cartões-Resposta, sob pena de eliminação“, diz em nota.
Segundo o grupo, o MGI também recusou-se a fornecer, através da Lei de Acesso à Informação o quantitativo de candidatos que seriam eliminados pela situação exposta, alegando que os dados ainda estavam em tratamento. O termo de referência do certame prevê que a Cesgranrio deveria repassar esse tipo de informação ao MGI em 30 dias depois das provas.
Cesgranrio e AGU foram procuradas para tratar sobre o assunto. Qualquer resposta recebida será adicionada neste texto. O grupo também alega que tenta se reunir com o Ministério de Gestão e Inovação há algumas semanas, mas ainda sem sucesso.
O grupo segue confiante em conquistar o pleito, de acordo com fontes ouvidas de dentro da comissão. O MPF teria sinalizado que é favorável ao tema proposto.
A reportagem conversou com uma fonte na Defensoria Pública da União. Para ela, as chances do grupo são mínimas: “Esse tema é muito mais difícil de conseguir êxito judicial, pois a gente tem uma quantidade esmagadora pessoas que seguiu o edital e uma pequena quantidade que não seguiu. A parte instrutória probatória é bem complicada.
Ele ainda antecipa o que o Poder Judiciário deve entender sobre o tema: “O Judiciário vai dizer que isso não impediu a grande maioria de seguir o edital sem incidentes. Eu entendo a irresignação, sério, mas olhando “de fora”, te digo que as chances de êxito são bem pequenas”, analisa.
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Natália Pires
Formada em Jornalismo pelo UniCEUB. Com experiência na área esportiva pelo DF Esportes, no setor de rádio pela Agência do Rádio, e em redação pela CNI, agora integra o time de redação do Direção Concursos.
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