Jetro Coutinho • 17/03/2022
17/03/2022Olá pessoal! Como vão? Segue proposta de recurso contra uma questão de auditoria governamental do gabarito preliminar da FGV para a prova do concurso TCU.
A questão é a seguinte (prova tipo 1):
O Tribunal de Contas da União adotou de forma adaptada algumas ferramentas de auditoria utilizadas pelo U.S. Government Accountability Office (U.S. GAO), a exemplo da matriz de planejamento, que é uma ferramenta importante na definição do escopo do trabalho de auditoria.
Na situação hipotética de um trabalho de auditoria que tem por objeto a concessão de auxílio financeiro emergencial a pessoas que perderam renda em decorrência de uma epidemia que atingiu o país e afetou a economia, a matriz de planejamento:
(A) por prudência, não deve se apoiar no julgamento profissional da equipe de auditoria;
(B) por se tratar de um cenário emergencial, deve ser elaborada após a realização de um painel de referência;
(C) deve ajudar a identificar os principais riscos envolvidos no programa de concessão do auxílio;
(D) deve reduzir as questões de auditoria em decorrência do volume de beneficiários do auxílio emergencial;
(E) deve considerar elementos de conhecimento prévio sobre o objeto auditado.
Proposta de recurso:
A presente questão deve ter o seu gabarito alterado da letra E para a letra C.
Em situação epidêmica que afete a economia e leve o governo a conceder auxílio emergencial, a matriz de planejamento não necessariamente leva em consideração elementos de conhecimento prévio sobre o objeto auditado, especialmente porque, já que se trata de situação emergencial, o objeto da auditoria (concessão de auxílio emergencial) será inédito, o que impossibilita ao auditor utilizar conhecimentos prévios sobre o objeto em questão, já que não há conhecimento acumulado sobre objeto (eis que este é inédito).
Mesmo que houvesse conhecimento prévio sobre objetos semelhantes ao inédito auxílio emergencial, o conhecimento prévio utilizado não seria em relação ao objeto auditado do auxílio, como a alternativa E afirma, mas sim em relação a outros objetos anteriores, não se confundindo com o objeto da auditoria em questão.
Desta forma, o ineditismo do objeto emergencial tornaria impossível a utilização de conhecimento prévio sobre objeto, restando descaracterizada a possibilidade de a alternativa E ser considerada correta.
No entanto, a alternativa C tem o condão de ser o gabarito oficial desta questão, dado que é a única alternativa apresentada que encontra respaldo nas normas e manuais de auditoria do TCU.
Considerando que a questão citou expressamente o Tribunal de Contas da União, vale mencionar que, em situação semelhante, fiscalização do TCU sobre concessão de auxílio emergencial durante a pandemia do coronavírus, o relatório de auditoria que subsidiou o Acórdão 1428/2020 do plenário do TCU (disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A1428%2520ANOACORDAO%253A2020%2520COLEGIADO%253A%2522Plen%25C3%25A1rio%2522/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520, acesso em 16/3/2022, 12:00) expressamente informa que:
1. O Tribunal de Contas da União aprovou, no dia 25 de março de 2020, Plano Especial de Acompanhamento das Ações de Combate à Covid-19 e suas consequências, que inclui acompanhamentos em unidades jurisdicionadas que desenvolvam ações emergenciais, de forma a possibilitar uma maior interação e interlocução entre o TCU e os diversos agentes públicos, e com o objetivo de apontar riscos e fornecer orientações aos gestores sobre problemas potenciais que possam comprometer a efetividade das ações emergenciais.” (grifo nosso)
Além do próprio objetivo da fiscalização em apontar riscos, o relatório de fato aponta os principais riscos na concessão do auxílio emergencial, a exemplo dos contidos no item 9.1.4 do referido acórdão:
9.1.4. nesta etapa do acompanhamento, foram identificados dois tipos de riscos: 1) riscos orçamentários na definição de público-alvo, valor e duração do auxílio emergencial; 2) riscos de exclusão indevida de pessoas que deveriam ser elegíveis e de inclusão indevida de pessoas que não atendem aos critérios da Lei;;
Além do item do acórdão acima relacionado, diversos itens do relatório de auditoria alertam os gestores para os riscos envolvidos na concessão do auxílio, como os itens 14, 24, 25,26, 34, 39, 42 e diversos outros do relatório de auditoria.
A mesma metodologia de identificação dos principais riscos na concessão do auxílio foi aplicada nas fiscalizações subsequentes, resultantes nos acórdãos do plenário do TCU: 1764/2020, 2282/2020, 3086/2020, 1531/2021 e 2142/2021.
Demonstrado que o objetivo da fiscalização era o de apontar riscos e que tal objetivo foi levado ao relatório, resta, apenas, realizar a ligação da identificação dos principais riscos com a matriz de planejamento.
Diversos relatórios de auditoria trazem uma relação direta entre os riscos do objeto e a matriz de planejamento (a exemplo do acórdão 1745/2020, que no item I.3, faz essa ligação. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A1745%2520ANOACORDAO%253A2020/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520?uuid=7ec6f1d0-dd79-11ea-b190-7b47362a757e, acessado em 16-3-2022, 13:55)
Além disso, o item 68 das Normas de Auditoria do Tribunal de Contas da União (disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A81881E7595543201764E5802F12E01, acesso em 16-3-2022, 13:17) expressamente afirma que:
68. Devem ser estabelecidos objetivos para cada trabalho de auditoria. Para tanto, deve-se realizar uma avaliação preliminar de objetivos e riscos relevantes relacionados à atividade objeto da auditoria, cujos resultados deverão estar refletidos nos objetivos estabelecidos.
As NAT também afirmam, no seu item 71, que a obtenção das informações relativas aos objetivos, riscos e controles do objeto são tipicamente obtidas em outras ações de controle. No entanto, como se está tratando de objeto de auditoria inédito, tal obtenção antecipada não seria possível.
Nesta hipótese, determinam as NAT (item 71.1.1):
71.1. Alternativamente, caso a auditoria seja proposta sem que as informações relativas aos objetivos, riscos e controles do objeto auditado estejam disponíveis, tais informações deverão ser obtidas na fase de planejamento do trabalho. A necessidade e a profundidade dos procedimentos para a obtenção destas informações variará de acordo com os objetivos e o escopo da auditoria em questão. (grifo nosso)
Considerando riscos a serem obtidos durante a fase de planejamento, o item 72 do Manual de Auditoria operacional do TCU ( https://portal.tcu.gov.br/data/files/F2/73/02/68/7335671023455957E18818A8/Manual_auditoria_operacional_4_edicao.pdf,acesso em 16/3/2022, 13:00), página 31, expressamente informa que:
Os documentos de planejamento da auditoria devem indicar os possíveis riscos da auditoria em curso e mostrar como esses riscos serão tratados.
Além do fato de a Matriz de Planejamento ser documento de planejamento da auditoria, o risco de auditoria é composto não só pelos riscos do auditor, mas também pelos riscos do objeto de auditoria, como já mencionado com base nas NAT.
Tais riscos, inclusive, podem ser refletidos em questões de auditoria (item 258 do Manual de Auditoria Operacional do TCU), estando, portanto, integrados à matriz de planejamento, de que é exemplo o já citado Acórdão 1745/2020-TCU-Plenário.
Sendo o objetivo da auditoria o de identificar riscos, o auditor deve checar, na fase de execução, se tais riscos efetivamente ocorreram ou não. Antes disso, porém, precisa indicar na Matriz de Planejamento quais riscos serão avaliados e como irá ser realizada tal avaliação, ao preencher todas as colunas da Matriz, a exemplo das colunas “procedimentos de análise de dados” e “o que análise vai permitir dizer”.
Por todo o exposto, solicito a alteração do gabarito da questão da alternativa E para a alternativa C.
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